Por Carlos Gabriel F.
“Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco”. E foi assim que me apaixonei por Gabriel.
Este colombiano que completou seus oitenta e cinco anos recentemente, no dia seis de março, já ganhou o mero Nobel de Literatura em 1982 por sua coleção de obras, contendo em seu âmago “Cem Anos de Solidão”. Talvez seja esta a palavra que defina Gabriel García Márquez: âmago – da facilidade de transpor em páginas as sinceras palavras de uma alma em desespero da vivência e fome de romance bem feito. Navegou no jornalismo por grandes períodos, que resultou, entrementes, em perseguições pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos.
O realismo mágico em âmbito latino-americano também foi iniciado por esta, permita-me assim chamá-lo, criatura em magnificência. Em suas obras é comum a narração sensorial como parte do plano real, resultando numa narração distorcida, em que se mescla num ciclo o passado em uma verborragia fantástica do presente. Há uma preocupação estilística, em que se visa manter uma estética a fim de seduzir bons leitores – o que tanto me faz pensar, neste quesito, que Gabriel é o Saramago em terras americanas.
Entre os seus livros mais recentes, “Memórias de Minhas Putas Tristes” (2004) tem por destaque – vide o trecho afável supracitado. Nele temos o romance de um velho no auge dos seus quase noventa anos à procura de uma virgem para se dar enquanto presente de aniversário; é o relato surpreendente entre uma ninfeta e um ancião – o que tanto me faz recordar de “Lolita” de Vladimir Nabokov enquanto referencial – ; é a vontade feroz de fazer a vida valer a pena diante da morte iminente; da transformação da humanidade perante o amor verdadeiro.
“Cem Anos de Solidão” (1967) e “O Amor nos Tempos de Cólera” (1985) também não devem ficar fora da leitura primaveril; retratam, igualmente, o quadro tão estilístico de Gabriel. Em algum momento de suas obras nos identificamos e nos vemos representados perante tamanho esplendor e gozo literário. Como já bem dizia: “É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós, onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração, pois a vida está nos olhos de quem saber ver”. Que Gabriel García seja visto, lido, reescrito.
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