quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Desmistificando uma rivalidade.


Por Arthur Franco e Carlos Gabriel F.

O facebook vem sendo palco constante de um duelo que já dura algum tempo. De um lado, os fãs de Harry Potter, com varinhas e críticas em punho, defendendo com unhas, dentes e feitiços a saga criada por J. K. Rowling. Batendo de frente, estão os fãs de Crepúsculo, passando por cima de tudo e de todos para colocarem a história do triângulo Bella-Edward-Jacob no lugar de melhor livro de fantasia já escrito. 

As duas obras são estrondosos sucessos que levam acalorados fãs aos lançamentos dos filmes e criam filas imensas nas estréias das adaptações cinematográficas. Ambas já ganharam diversos prêmios e abarrotaram as contas bancárias de suas autoras, tudo graças aos leitores que fazem de tudo pelos seus heróis.  

Fãs de todo o mundo compartilham fotos que pronunciam que o triângulo Harry-Rony-Hermione “nunca chegará aos pés” do triângulo formado pelos protagonistas de Crepúsculo (ou vice e versa). Além disso, Stephen King deu recentemente uma declaração que só deu mais força ao duelo. O autor disse à revista USA Weekend que a principal diferença entre J. K. Rowling e Stephenie Meyer é que a primeira é uma ótima escritora, enquanto Meyer “não consegue escrever nada”. Outra citação atribuída a King que anda circulando pela internet é que “J.K. Rowling escreveu em um capítulo uma história de amor melhor que Stephenie Meyer fez em quatro livros”. Verídica ou não, é fato que desperta nos fãs das duas histórias uma tendência à confrontação.

Mas qual o porquê desse embate? Os livros são assim tão parecidos que não podem coexistir na mesma estante? Não é possível gostar das duas sagas? Esse parece ser o pensamento de alguns fãs, mas vamos aos argumentos. 

Harry Potter foi primeiramente lançado em 1997. Pode-se dizer com certeza que a série é um fenômeno dos últimos anos, arrecadando milhões de dólares tanto nas vendas dos livros quanto de produtos baseados na saga, como filmes, videogames, roupas, itens de colecionador e até outros livros que abordam o universo mágico de HP. Contando com sete volumes, a história gira em torno de Harry, um órfão que mora com seus tios abomináveis. Prestes a fazer 11 anos, Harry recebe a inesperada visita de Rúbeo Hagrid, guardião das Chaves e dos Terrenos de Hogwarts, e descobre que é bruxo. Na mesma noite ainda, Harry descobre que seus pais não morreram em um acidente de carro, mas foram mortos pelo maior bruxo das trevas de todos os tempos: Lord Voldemort. É em torno desse conflito que toda a série vai se desenvolver, na eterna luta do bem contra o mal, da justiça contra o erro, do certo versus o errado. 

Já Crepúsculo tem a sua temática baseada em uma história de amor “impossível”. Lançado em 2005, o livro também se tornou um imediato sucesso, sendo seguido de filmes, jogos, roupas e livros derivados da saga. São no total quatro livros que narram a história de Bella, uma humana que se apaixona pelo misterioso e pálido Edward. As circunstâncias acabam por deixá-los cada vez mais próximos, até Bella descobrir pelo seu amigo Jacob que Edward é um vampiro, mas que não se alimenta de sangue humano. Ao longo dos livros, a personagem principal também descobre que Jacob é um lobisomem, inimigo natural dos vampiros. A partir daí surgem os conflitos, já que Bella esta perdidamente apaixonada por Edward, mas nutre sentimentos por Jacob. 


As duas obras possuem diversos pontos em comum, mas também se diferenciam bastante em certos aspectos. O principal em comum é o universo fantástico e mágico em que as histórias se desenvolvem. Harry Potter é um livro carregado de mitologia, em que bruxos, centauros, sereias e outros seres mágicos se misturam e interagem. Crepúsculo também é assim, permeado por vampiros e lobisomens. Os dois livros jogam com seres que estão no imaginário popular há séculos já, mas ambos dão um ponto de vista diferente da cultura tradicional de bruxos e vampiros. Harry não faz encontros secretos na floresta para adorar a lua e Edward não bebe sangue humano. Além disso, nem todos os personagens dos dois livros são dotados de poderes, então a maioria da humanidade desconhece a existência dessas criaturas mágicas. 

O segundo ponto em comum é que ambas as obras foram escritas para um público juvenil. Evidentemente, depois de lançados e ficaram conhecidos, leitores de todas as idades se interessam pelas histórias. As temáticas de vida escolar, magia, amizade, luta do bem contra o mal (HP) e virgindade, adolescência, romance, primeira vez no sexo (Crepúsculo) são voltadas, primeiramente, para o público adolescente.  
  
Outra semelhança é o triângulo que aparece nos dois livros. A série Harry Potter é focado no triângulo Harry-Ron-Hermione, enquanto Crepúsculo tem Bella-Edward-Jacob como protagonistas. Mas as semelhanças nesse aspecto param por aqui. Somente a composição dos personagens principais que é igual. Vejamos o que os livros têm de diferenças. 

Pode-se pensar que a escolha de um triângulo de personagens como protagonistas foi pensada no sentido romântico, para que consequentemente exista um conflito de interesses. Isso realmente ocorre em Crepúsculo, mas não existe em HP. Bella se apaixona por Edward, de uma forma quase insana, mas fica em dúvida dos seus sentimentos quando se aproxima de Jacob. E é essa tensão amorosa-sexual que desenvolve a história (além do amor de Bella por Edward). Outros pontos, como conflitos entre vampiros e virgindade, também são abordados, mas ficam em segundo plano. Já em HP, o triangulo principal não tem um “quê” de amor. Em nenhum momento do livro é colocado que Harry se apaixona por Hermione. Ela desenvolve sentimentos por Rony, que culminam no casamento do casal no fim da saga, mas é somente esse o romance que envolve os personagens principais enquanto triângulo. Harry se envolve amorosamente com outras personagens, mas que estão em segundo plano. 

O foco dado às histórias também é totalmente díspare.  Crepúsculo se foca, quase que em todos os 4 livros, e de forma intensa e única, no amor de Bella e Edward e de como esse romance afeta a vida dos dois. Afinal, Edward é um vampiro imortal e Bella é uma simples jovem que não viverá para sempre. Como os dois podem possivelmente ficar juntos sem que Bella seja mordida e vire uma vampira, ganhando assim a vida eterna? O romance (ainda que meloso) é combustível da história. Em HP o quesito romance fica em segundo plano, com o amor de Harry e Gina ou de Rony e Hermione. O que J. K. Rowling prioriza, em detrimento do amor, é a amizade, os benefícios de ter amigos e o que a falta deles pode causar. 

O motor do enredo em HP é a eterna luta do bem contra o mal. Harry e Voldemort estão em conflito da primeira a última página da saga e tudo culmina para que a bondade, o que é certo vença a representação da maldade, mesmo com muitos empecilhos e dificuldade nesse percurso. Em Crepúsculo essa luta é quase inexistente. Podemos dizer que Edward simboliza o bem, uma vez que não bebe sangue humano, mas o mal tem poucas representações durante a saga.  

Uma última característica que se encontra em divergência nas duas obras é como a história é narrada e suas diferentes perspectivas. Enquanto J. K. opta pelo uso da terceira pessoa do singular, de modo a descrever fatos num espaço em que é onisciente e observadora, Meyer, por sua vez, escolhe como narradora a própria personagem, tornando-a em seu eu-lírico ali submetido. No primeiro caso possibilita-se um relato dos acontecimentos além dos protagonistas, já que o enredo se adensa em outros aspectos, enquanto, no segundo, prioriza-se apenas a visão da personagem em questão, tramando apenas o que está ao alcance de sua percepção.  

Depois da avaliação das duas séries, é possível ver que, apesar de serem histórias de fantasias, ambientadas em um universo mágico e em que os protagonistas são criaturas mitológicas da cultura popular, os livros não são assim tão parecidos. Podem, e devem, sim coexistir na mesma estante. São livros bem escritos e cativantes, cada um no seu modo e com a sua história.

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