sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Sweet Sixteen.

Por Arthur Franco

Diz o ditado que não se deve julgar um livro pela capa. E foi justamente a minha ação ao me deparar com Feios pela primeira vez. Um mundo em que fazer 16 anos significa fazer uma cirurgia para se tornar perfeito e ser protagonista de uma vida festas, enquanto ser feio é estar à margem da sociedade, era o que o resumo que a contra capa do livro trazia. Pensei comigo: seguindo a linha ‘Gossip Girl’, deve ser apenas outro livro com uma crítica à sociedade da perfeição, com personagens estonteantes que tem como única ocupação na vida a beleza e que, lá pela metade do livro, descobrem que a vida ‘perfeita’ não compensa, não tem significado. Mas por 9,90, numa promoção da Saraiva, quem não se sentiria tentado a levar o best seller de Scott Westerfeld para casa? 
Tão poucas vezes estive tão enganado acerca de um componente literário. E conforme a leitura foi evoluindo, me apeguei tanto que me vi procurando promoções para comprar Perfeitos e Especiais, os dois volumes seguintes da saga.
Essencialmente, a história é situada em um mundo futurístico, em que a tecnologia sofreu avanços inimagináveis e que a medicina chegou a um ponto que é possível transformar qualquer um em um ser perfeito: dentes magicamente do tamanho certo, linhas do rosto todas transformadas, doenças erradicadas e a pele livre de toda e qualquer imperfeição. Mas essa operação só acontece quando se completa 16 anos. Até essa idade, os feios são confinados em Vila Feia, sem poder usufruírem das festas glamurosas e da vida mansa de Nova Perfeição. E essa nova vida é o que Tally Youngblood sempre sonhou. Mas a poucos dias de completar 16 anos, a nossa protagonista conhece Shay, uma feia que não vê graça nenhuma na vida pós operação e da qual pretende fugir para se juntar à Fumaça. Conhecidos como um grupo de resistência que vive ainda à moda antiga, os Enfumaçados não seguem a vida perfeita, tirando o sustento da natureza e abdicando da tecnologia. Tally vê seu sonho se esfacelar quando Shay desaparece e os Especiais, as autoridades desse mundo pós apocalíptico, só a oferecem um caminho: se unir a eles contra os enfumaçados ou nunca ser perfeita. A decisão de Tally vai levá-la a um turbilhão de acontecimentos que ela não pode controlar e que fará com que ela questione o que é certo, o que é errado e o que significa ser perfeito.
O livro se mostrou diferente (e melhor) do meu primeiro preconceito, mas ainda assim trouxe o elemento central que eu esperava: a crítica à sociedade. E ainda não em um ou outro lado, mas a tecendo de forma sutil em diversas questões. A primeira é certamente a que salta aos olhos no plot central: até que ponto compensa ser perfeito? Em nenhum momento existe uma crítica tangível, mas ao decorrer dos acontecimentos, a protagonista (mais do que um lugar comum) descobre que ser um rostinho bonito tem um preço (alô alienação), mais alto do que o divulgado. Essa é certamente a questão central (e um jogo de valores morais e que pretende lançar uma ‘moral’ ao leitor) já utilizada em outros livros, como (supracitado) em Gossip Girl (Cecily von Ziegesar) e Bubble Gum e Hell Paris 75016 (ambos de Lolita Pille).
A próxima cutucada de Westerfeld é bem no ‘tanque de combustível’ da sociedade moderna. Os enferrujados (a nossa atual sociedade, na visão Westerfeldiana) foram arruinados pelo desenvolvimento de uma bactéria que se alimenta de petróleo e que trouxe caos e total desconfiguração da vida como conhecemos. No mundo futurístico de Nova Perfeição, os carros (por sinal, voadores) não são poluentes e até mesmo as roupas são recicláveis. Fica claro aqui o descontentamento com a atual sociedade capitalista (talvez até lembrando um pouco demais de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley), mas que não passa disso: um simples desgosto e uma tentativa de motivar os leitores com lição de moral. Aborrecimento esse que se perde nas relações amorosas descritas em Feios, que podem ser comparadas ao romance Bella-Edward. Amores arrebatadores que surgem à primeira vista, mas sem nenhum fundamento ou (aparente) palpabilidade e credibilidade por parte dos leitores.
Por mais que possa parecer um livro ‘clichê’ com adição de elementos futurísticos, Feios ainda assim é uma ótima leitura. A descrição dos acontecimentos é envolvente e prendem o leitor, mas sempre com um toque ‘moralista’ por trás. Certamente uma leitura para aqueles dias de preguiça, mas que vai ter deixar com vontade de saber qual o segredo da perfeição.

Um comentário:

Lucas Felipe disse...

Interessante resenha sobre "Feios". Nossa sociedade é tão limitada quanto o descrito aqui, ou até mais. Quando as pessoas não estão à procura de um rosto perfeito, simétrico ou um corpo esculpido em academia, estão atrás de quem usa e abusa das roupas de marca, possui um carro ou uma grande casa. Os interesses e as aparências dominam as relações e encontrar alguém disposto a viver um relacionamento além do Bella-Edward é algo difícil.