terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ode às cores esquecidas.

Por Carlos Gabriel F.

Para começar com o pé direito... haja fôlego! Enfrentamos essa necessidade de dar brilho ao primeiro qualquer-coisa-da-vida. Olhamos em distância e pensamos: tem que ser bem feito, caso contrário não ficarei satisfeito enquanto ser humano literário. E foi assim, procurando em ideias vagas e histórias passadas que encontrei em mente um livro que me cativara bastante enquanto ideologia: “Flicts”. Livrinho fininho, infantil, de fácil acesso on-line e de páginas coloridíssimas. “As melhores perspectivas são retiradas de mensagens simples”, já diziam.

“Flicts” é um livro do nosso querido desenhista Ziraldo, escrito em 1969, que narra a aventura de uma cor à procura de seu lócus na trama social. Flicts era uma cor assim: meio acanhada, rejeitada e esquecida nos cantos obscuros e medonhos da grande incógnita humana. Ela era triste, sobretudo, pois se comparada às outras cores era sempre considerada por sua fragilidade, aflição e feiúra. Não. Não existe nada no mundo, nada que seja Flicts. Não a deram um lugar na caixa de lápis, não a permitiram participar do arco-íris, não foi admitido que participasse de alguma bandeira internacional; nem mesmo o mar, em sua constante inconstância, reflexo do que lhe é exterior, lembrou-se da Flicts nos dias de amargura. 

Houve um momento, pois bem, em que Flicts parou de procurar. Rondou o mundo em busca de um espaço que preenchesse o seu vazio, mas deparara-se em diversas vezes com a negação absoluta. Olhou para longe, bem longe, e foi subindo, subindo. E foi ficando tão longe, e foi subindo e sumindo, e foi sumindo e sumindo. Sumiu.

Mesmos nos dias atuais, a Lua que nos observa à distância, nos dias claros, é Azul; nos crepúsculos à beira mar das tardes soturnas de outubro, a Lua é Vermelha, como uma imensa e gigantesca bola de fogo; nas noites claras, de céu aberto e nuvens inexistentes, a Lua passa a se tornar um Amarelo fumegante. O fato que se revela, entretanto, é que de pertinho, apenas quando se vislumbra o satélite de poucos metros, enquanto astronauta desgovernado a flutuar no vácuo, é que se percebe que a Lua é Flicts. A cor mostra-se, por fim, para quem de muito longe viera.

A questão é que o mundo é feito de cores. Uma mescla imensa e magnetizada de luzes que irradiam perante nossas perspectivas e ideologias já formadas. Cor é jeito de ser, modo de acatar; é maneira de transmitir a outrem o modo que se quer simbolizar. É mera cativação, é trama espiritual, é sentimento transfigurado em tonalidades que permeiam a epiderme e tocam o coração. Cito Carlos Drummond de Andrade em primeira oportunidade, que me arrebata em palavras sinceras: “(...) cor, muito além do fenômeno visual, é estado de ser, e é a própria imagem. Desprende-se da faculdade de simbolizar, e revela-se aquilo em torno do qual os símbolos circulam, voejam, volitam, esvoaçam — fly, flit, fling — no desejo de encarnar-se. Mas para que símbolos, se captamos o coração da cor?”. 

“Flicts” traz-me essa vontade de não deixar passar, de não permitir ir pra longe o que quero por perto: vislumbrar a pequenitude dos seres e, daquela forma, aceitá-los, sem ideias pré-concebidas ou matérias já formadas – quero conhecê-las, seja na excentricidade da natureza ou na vulgaridade da índole, descobrir cada diferença e espectro de cores possíveis e encontrar-me amando cada fragmento, cada centímetro de detalhe da vivência ali transposta, em explosões surreais de fluorescências. 



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