quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Memórias literárias.

Por Carlos Gabriel F.

Afinal, o que fomos no passado irromperá, de alguma forma, em o que nos tornamos no presente? Nossos passos, perspectivas e escolhas que determinamos ao longo da nossa história em face terrestre, irão resultar em como sentimos e agimos enquanto tempo que nos fala? Ou vivemos os dias por meio de períodos estigmatizados, exclusivamente aprisionados numa Era indefinida e esquecida? 

A questão é que perpassamos tantas histórias, tantas correntes ideológicas, que nossa resolução magmática é pura, simples e unicamente resultado de uma série de fatores que fomos submetidos ao passar das estações. Somos tantos seres, tantos personagens aprisionados no subconsciente, que não percebemos quão múltiplos nos tornamos. Somos algo diferente por cada segundo, por cada milionésimo de tempo que pensamos a fim de traçar um desenvolvimento. Registramos nossa visão de acordo com o que sobrevivemos no passado. Somos história, sobretudo; resultado inconsequente do que fizeram desde o início das Eras. Amém


É sobre o tempo que “O Leitor”, de Bernhard Schlink, retrata. Ele, chamado Michael Berg, e ela, Hanna Schmitz, com anos de idade em diferença, e enclausurados por algumas horas em banheiras floridas por libido de encontros periódicos. Enquanto suas colisões poéticas, o menino ainda na puberdade lia para a mulher já marcada pelo futuro – e nessas horas de leitura a mulher se tornava menina, transbordava em sentimentos transcritos em páginas amareladas. Michael se tornava vivo, comungava carnalmente com Hanna e mesclavam-se em uno, num só ser e numa só ideia. Michael amou de forma integra e ininterrupta a mulher que com ele passava horas de romance. 

A trama que antes parecia se vangloriar pela superficialidade romântica, torna-se densa e profunda a partir do momento que a narração leva o leitor ao notar que Hanna, antes onipresente, deixa o jovem Michael de forma inexplicável e ressurge após anos incomunicáveis, sendo condenada a crimes nazistas. O protagonista, agora já adulto e estudante de direito, vê-se diante sua amada, circundada por autoridades que a declamam cúmplice de um dos crimes mais horrendos do século XX. Michael nota em Hanna uma vergonha, um incômodo, que por ela não fora revelado e pelo qual ela pretende pagar a não revelar em público. 

As páginas de uma profundidade ímpar foram elaboradas e registradas, também, no filme (assista ao trailer) dirigido por Stephen Daldry – que soube trabalhar no roteiro com David Hare, a fim de transmitir ao telespectador a ideia original criada por Bernhard Schlink. Ambas as obras causam incômodo, pois narram a paixão quente e imaculada de um jovem perante uma mulher que muitas vezes substituía sua lacuna familiar, entretanto traz a questão para o público: seria ele capaz de continuar à distância e, por conseguinte, enfrentar o choque pela criminalização? A continuar amando àquela por quem se apaixonara em outrora? Seria capaz de defendê-la e, sobretudo, entendê-la depois de tantos anos de procura? 

The Reader”, no original, causa uma ambiguidade que merece mensuração por ora e em tese final: seria afinal a tradução correta do inglês pra o português no gênero feminino ou masculino, já que no primeiro idioma não se identifica tal opção? Quem lera fora Hanna, com suas interpretações e sentimentalismo exacerbados, que apenas com a escuta vivenciava as histórias narradas, ou o menino, que simplesmente lia, transformava o datilografado em palavras miúdas? Quem lê: aqueles com leitura dinâmica ou aqueles que saboreiam cada sentimento na brochura presente? 

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